“Temos de realçar o aspecto lúdico da festa, em especial da Festa dos Rapazes”, diz Belarmino Afonso, referindo-se a esta tradição de Petisqueira, Deilão, Vila Meã e Babe, do planalto da Lombada, no concelho de Bragança.
A festa desenrola-se nos dias 25 e 26 de Dezembro – dias de Natal e de Santo Estêvão (dantes também no dia 27, dia dos Santos Inocentes) – e desta participam por direito próprio os rapazes com mais de 12 anos. Os meirinhos são em regra três, mudando em cada ano – o meirinho velho escolhe o meirinho novo e o substituto, sendo esta escolha em Vila Meã seguida por um curioso “simulacro de votação que vem confirmar a escolha feita” –; é a eles que compete a coordenação das actividades. A não ser em Babe, também as raparigas participam na ceia, ponto alto da comemoração, que é seguida de baile. Os comes-e-bebes são oferecidos ou angariados pelos rapazes que em Vila Meã têm especial ajuda das raparigas que fazem as roscas (pão de trigo coberto com clara de ovo e em forma estelar).
Em Deilão, o meirinho velho paga a calaça, isto é, o vinho e bebidas finas para os circunstantes, registou Belarmino Afonso que diz que, pelas 15 ou 16 horas, o baile é interrompido.
O altifalante anuncia que “os meirinhos vão correr”. Tudo conflui para o largo principal. “Os rapazes soltam-se da moça e botam-se a correr.” Correm três meirinhos. No seu encalço vai toda a outra juventude tentar apanhá-los. Quando isto sucede, vêm “às carrintchas” dos rapazes. Quando havia mais raparigas, “eram elas que traziam às costas os meirinhos”. Quando são apanhados, vai ao seu encontro o gaiteiro, bombo, ferrinhos e mais garotada. A animação começa a aquecer. “Toca, gaiteiro, se não, não ganhas as castanhas”, dizem às vezes os assistentes para animar a festa.
Em Vila Meã, após a corrida, os meirinhos velho e novo “regressam às costas, cada um de duas raparigas”.
A Festa dos Rapazes tem enquadramento religioso. Os rapazes em Deilão assistem à missa nos dias 25 e 26, formando em Babe duas alas, e na procissão são eles que conduzem o andor de Santo Estêvão. Vamos terminar este apontamento com um breve relato de Belarmino Afonso:
Chegara para celebrar a missa no dia 26, a Deilão. Ouvi choros e grande barulheira. Era um simulacro de enterro, acompanhado de trejeitos bizarros e alarido de carpideiras. Um jovem que não compareceu de manhã cedo à chamada, após a alvorada, fazia de morto. Foram descobri-lo a casa ou onde quer que estivesse. Trouxeram-no numa escada que servia de esquife. Outro fazia de padre e inglesava um “reco eterno” de latim apropriado à cerimónia fúnebre. A água benta tirada de qualquer charco ia numa caldeira. O funeral ou a sua simulação consistia numa espécie de sanção moral para o prevaricador que não conseguiu passar uma noite sem dormir.
Notas
AFONSO, Belarmino – Brigantia, revista de cultura. Julho-Dezembro de 1987 (1987) 339–354.